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18 de dezembro de 2011

Despertar


"(...)pode-se considerar o misticismo como o resultado do esforço do homem para reconciliar-se com a Realidade Cósmica.

A escalada mística revelou-lhe que para o caminho místico convergem todas as outras trilhas que a humanidade percorre, pois eis que o misticismo é a soma final de todo o engenho humano, que busca suas razões e a razão de toda a natureza.

Portanto, assumimos, como pressuposto básico para o desenvolvimento deste tema, que o misticismo é a suprema realização do homem e resulta do despertar interior da
Consciência Cósmica.

NATUREZA


Quando alguém empreende a sua busca mística, o faz geralmente movido por um profundo sentimento de inquietação interior. A centelha divina faz despertar em seu ser indagações sobre o que seja a Vida no seu sentido mais amplo, sobre o que seja a Verdade na acepção mais exata do termo, sobre quais sejam a origem e o sentido do Universo.

Por que toda a criação segue um plano definido, em que tudo se assenta, desde os milagres da natureza, com a sua generosidade, com o seu equilíbrio, com a sua justiça, com a sua sabedoria, até a participação do homem dentro deste contexto indivisível que é a Vida?

São perguntas cuja dificuldade não está nas respostas, mas no caminho que se escolheu para buscá-las. Dizer qual o sentido da vida, explicar a perplexidade do irreprimível do Universo – são questões que têm sido objeto da especulação de muitos.

E as explicações se multiplicam: algumas lamentavelmente falsas e enganosas; outras, insatisfatórias.

Dessa forma, ante perguntas e indagações profundas que lhe interessam diretamente, pois dizem respeito à sua própria vida, o homem que inicia a sua busca mística o faz, quase sempre, cruzando o portal de uma Fraternidade Iniciática, onde, submetendo-se às normas e disciplina próprias, receberá o instrumental necessário para romper o véu que não lhe permite vislumbrar as imutáveis Leis do Universo, a verdade da Vida e a Luz de que precisa para iluminar o seu caminhar no mundo em que lhe é dado viver.

Ali, a Senda se apresentará tortuosa, e cada passo vencerá o inacessível. É necessário que seja assim.


Ante as primeiras dificuldades, aqueles que são movidos por simples curiosidade afastar-se-ão do caminho. Este se tornará pleno de dificuldades, e nada haverá a vislumbrar, pois a Senda da Verdade e da Vida só é contemplada pelo buscador humilde, de propósitos nobres e reto de consciência. Este logo verá que segue o caminho certo, pois, nas revelações preliminares das primeiras lições e na participação que tiver nos primeiros rituais, sentir-se-á integrado à comunidade iniciática a qual passou a pertencer. E os seus exercícios e experimentos estarão respaldados pelo peculiar entusiasmo que o motivará aos novos estudos.

ETAPAS

É o momento do Despertar. É aquela fase em que a consciência gradual de impressões e sensações irá brotando das profundezas do Eu, ensejando uma compreensão sempre crescente de uma Realidade Cósmica bem maior do que aquela que até então fora apreendida.

Numa seqüência natural do estudo místico, o despertar da Consciência Cósmica inspirará a Purificação, o idealismo manifestado pela profunda compreensão da beleza divina e da perfeição do Universo.


E a percepção de quanto toda a natureza se mantém em harmonia e equilíbrio fará nascer no buscador um agudo sentimento de sua própria imperfeição. O que fazer então quando se constata essa dicotomia? De um lado, o esplendor das Leis que regem o Universo: eternas, imutáveis, perfeitas. Do outro, o homem dominado por paixões subjugadoras, pelo apego aos bens materiais, pela incontrolável sede do sucesso, pelo inato sentimento de competição. Então o estudante de misticismo há que decidir por purificar-se daquelas imperfeições que compreendeu possuir. E isso somente será possível através da autodisciplina, do autoconhecimento, da sinceridade e da coerência entre o seu pensamento e a sua ação.

Nessa fase, que os místicos chamam de Purificação, apresenta-se com toda força uma das principais exigências da Senda: a coerência entre valores assumidos e atitudes de vida. Os requisitos da sinceridade e da coerência resultam da Verdade que caracteriza todo o caminho místico. Ninguém jamais o percorreu sem esses atributos.

Assim, nessa etapa devemos ser capazes de, através do autoconhecimento, libertar-nos da influência de tudo aquilo que nos prende e nos limita a um estado de ação em desacordo com a nossa destinação ontológica de participantes da beleza e da liberdade do Universo. Quando somos capazes de fazer calar os nossos sentidos objetivos, permitindo que a nossa Essência Divina, o nosso Eu Interior se manifeste, e assim estar em harmonia com o Cósmico, chegamos ao elevado patamar da Iluminação. Alcançamos uma distância muito grande entre o nosso Eu do momento e o Eu antigo sequioso da beleza de tão sublimes conhecimentos. No entanto, ainda que seja grande e verdadeira a nossa alegria, atingimos também o ponto crucial e de importância decisiva para a vida mística do buscador: o momento em que nos será exigida uma coragem maior, uma paciência e determinação capazes de enfrentar os maiores e os mais difíceis desafios, e a resoluta decisão de prosseguirmos em frente.

Nós estamos no limiar da Noite Negra da Alma.
E o que vem a ser a Noite Negra da Alma?

E por que temos de enfrentá-la depois do nosso despertar para a vida mística, depois de nossa escolha de Purificação, depois que, pela Iluminação, somos capazes de comandar os nossos sentidos objetivos?

A Noite Negra da Alma é um degrau que temos de ultrapassar nessa caminhada ascensional ao encontro da face de Deus. É também o mais árduo, o mais escarpado, o de mais difícil acesso, pois que para transpô-lo precisaremos de toda a nossa coragem e de vigorosa decisão pessoal e íntima para abraçarmos definitivamente os ideais que nos farão UM com o Cósmico.

Noite Negra da Alma é uma expressão antiga, usada pelos místicos para caracterizar certo estado emocional e psicológico, bem como uma fase de provas por que todos passamos na trilha que nos leva ao vislumbre total de um ideal acalentado com toda a força do nosso ser. São João da Cruz, místico espanhol do século XVI, a descreveu com muita lucidez e propriedade, denominando-a Noite Escura do Espírito. Thomas Merton, citando Gregório de Nissa, teólogo e místico do século IV, nos adverte que “A vida espiritual é uma caminhada das trevas à luz e da luz às trevas.

É a transição de uma luz que são trevas para trevas que são luz.

A ascensão da falsidade para a Verdade começa quando a falsa luz do erro é trocada pela luz que é verdadeira, mas insuficiente, das noções elementares sobre Deus. Essa luz deve depois ser obscurecida, diz ele. A mente deve desprender-se das aparências sensíveis e procurar a Deus nas realidades invisíveis que só a inteligência pode apreender”.

Portanto, até que possamos estar preparados para contemplar a suprema sabedoria divina, a nossa personalidade-alma deverá ser aperfeiçoada no caminho da Noite Negra da Alma, período em que é comum experimentarmos toda a sorte de fracassos; nosso dia-a-dia transcorre numa seqüência de frustrações; planos determinados com inteligência e perseverança estarão eivados de incertezas e obstáculos. A visão e a expectativa do futuro parecerão toldar-se nas águas da incerteza e da depressão, e experimentamos um profundo desânimo. Somos então tomados pelo desejo de deixar de lado a busca encetada até o momento.

Os mais caros ideais parecerão sem nenhuma importância, e o perigo iminente, que vai pairar sobre nós, é o de interrompermos nossos estudos místicos, nossas atividades culturais e nos distanciarmos do curso de nossa vida espiritual, sucumbindo inteiramente ao pessimismo. E se tal acontece, temos de experimentar a sensação e a convivência com o fracasso, pois essa fase realmente negra em nossa vida acontece por força de ser tentada, medida e pesada a fibra de nossa personalidade-alma. Nossas convicções, nossa força de vontade, nosso merecimento pessoal de maior iluminação são colocados a duras provas.

E se, para escaparmos desse embate interno, nos deixamos abater por tais conflitos, poderemos desfrutar uma paz aparente, em nível de nossa mediocridade, mas, no recôndito de nós mesmos, nos recessos mais profundos de nosso ser, lá onde nos fala a consciência, senhora absoluta de imaculado silêncio, estaremos certos de que, deliberadamente, renunciamos ao júbilo de realizarmos a conquista da verdadeira Paz, daquela Paz de espírito sobre a qual nos falou o Mestre Jesus.

A Noite Negra da Alma não é em si mesma uma circunstância cármica, uma purificação “imposta” ao indivíduo. É, antes de tudo, um retoque final à obra de arte que vem sendo elaborada dentro de nós, no desenrolar de sucessivas etapas do nosso aperfeiçoamento interior. Até chegar à Iluminação vamos melhorando nossa consciência pessoal, mas é enfrentando essa fase angustiante de incertezas e desafios que daremos a feição verdadeira ao novo ser que brotará dentro de nós, um novo ser que foi capaz de escalar doloroso caminho até alcançar níveis mais altos de consciência." (...)

Por FRANCISCO RODRIGUES DE FREITAS, FRC*

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